quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Mídia rica, democracia pobre

Com o término das eleições nos EUA, o maior vencedor ainda não foi declarado, porque a vitória foi dos grandes meios de comunicação.





Amy Goodman

Democracy Now, Análise - Brasil de Fato.



Com o término das eleições de metade de mandato nos Estados Unidos, o maior vencedor ainda não foi declarado, porque a vitória foi dos grandes meios de comunicação. O maior perdedor, por enquanto, tem sido a democracia. Estas eleições legislativas de metade de mandato foram as mais caras na história dos Estados Unidos: custaram quase USd 4 bilhões de dólares, dos quais USd 3 bilhões foram gastos em publicidade. Pergunto o que aconteceria se o tempo publicitário para as campanhas fosse gratuito. Não se ouvem debates a este respeito, e não se ouvem porque as corporações (conglomerados empresariais, em geral, transnacionais) que manejam (e manipulam e controlam) os meios de comunicação de massa obtêm imensos ganhos com os anúncios publicitários das campanhas políticas. No entanto, as ondas hertzianas (que trafegam pelo espectro radioelétrico) utilizadas pelas empresas de mídia para emitir seus sinais são públicas.



Isto me recorda o livro escrito em 1999 pelo especialista em meios de comunicação Robert McChesney: “Rich Media, Poor Democracy” (Meios ricos, democracia pobre). Em seu livro, McChesney escreve: “Os radiodifusores têm pouco incentivo para brindar cobertura aos candidatos já que resulta de seu interesse forçá-los a publicitar suas campanhas.”



O grupo de investigação Wesleyan Media Project (Projeto de Wesleyano de Mídia), da Universidade Wesleyan, faz um acompanhamento da publicidade política. Depois da recente sentença da Suprema Corte no caso “Citizens United contra a Comissão Federal Eleitoral” pelo qual se autoriza às grandes corporações (conglomerados empresariais) a destinar somas ilimitadas de dinheiro à campanha publicitária dos candidatos, o projeto de pesquisa sobre o comportamento da mídia destaca que: “O tempo de transmissão destinado a publicidade tem-se saturado de anúncios relacionados com a Câmara de Representantes (deputados federais) e o Senado, que ocupam até 20% e 79%, respectivamente, do total de tempo que as TVs estão no ar”.



Evan Tracey, fundador e presidente do grupo de análise de campanhas publicitárias Campaign Media Analysis Group (Grupo de Análise das Campanhas na Mídia), predisse no passado mês de julho (de 2010), em declarações para o jornal USA Today, que: “Haverá mais dinheiro para ser investido do que espaço de transmissão para ser comprado”. Por sua vez, John Nichols, do semanário The Nation, comentou que nos amáveis primeiros tempos da publicidade política televisiva, os canais de TV nunca teriam permitido a transmissão de um anúncio a favor de um candidato, seguido de outro anúncio, apoiando o candidato concorrente (obs. do tradutor: as eleições parlamentares estadunidenses são distritais). Essa constatação, não levava em conta o patrimônio acumulado dos grandes meios. Mas, nos dias de hoje, veicular anúncios políticos é como alugar um imóvel. Bem vindos ao “mundo feliz” das campanhas feitas com bilhões de dólares.



No passado, já houve intentos de regular o uso das ondas hertzianas trafegando pelo espectro radioelétrico para que estejam a serviço da população durante as eleições. Nos últimos anos, a tentativa mais ambiciosa ficou conhecida como “Reforma do financiamento das campanhas eleitorais de McCain-Feingold”. Durante o debate sobre esta histórica legislação, tanto democratas como republicanos fizeram referência ao problema das exorbitantes taxas de publicidade televisiva. O senador pelo estado de Nevada John Ensign, republicano, lamentava-se: “As emissoras não queriam nem pensar nas campanhas eleitorais porque era a época do ano em que ganhavam menos dinheiro devido ao baixo valor atribuído às cotas publicitárias durante esse período. Agora, as eleições são seus momentos preferidos já que, de fato, é uma das épocas do ano com mais ampla margem de lucros.” Finalmente, para que este projeto de lei fosse aprovado, se omitiram as cláusulas referentes ao “tempo de veiculação de propaganda pública”.



A sentença dada no caso do grupo de pressão conservador Citizens United neutraliza eficazmente a Reforma do financiamento das campanhas proposta por McCain-Feingold. Não há como imaginar ou mensurar o que será gasto nas eleições presidenciais de 2012. O senador por Wisconsin, Russ Feingold (co-autor do projeto), perdeu a oportunidade de ser reeleito em sua disputa contra o praticamente auto-financiado multimilionário Rum Johnson. O editorial do jornal Wall Street Journal celebrou a esperada derrota de Feingold. O jornal é propriedade da corporação transnacional News Corp, de Rupert Murdoch, que possui diversos veículos, incluindo ademais a cadeia de televisão Fox e que doou quase USd 2 milhões de dólares para a campanha dos republicanos.



“As eleições se transformaram em uma commodity, um produto fundamental para a alta lucratividade destas rádios e canais de televisão”, me disse no dia das eleições Ralph Nader, defensor dos consumidores e ex-candidato a presidente. Também falou: “As ondas de rádio e TV são públicas, e como sabemos, pertencem ao povo. O povo é o proprietário e as redes de rádio e televisão são as titulares das licenças para usar essas ondas, digamos que são como inquilinos. No entanto, para obter sua habilitação anual, não pagam nada para o FCC (Federal Communications Commission, a Comissão Federal de Comunicações, órgão regulador dos canais nos EUA). Assim, seria de grande eficácia persuasiva, se tivéssemos políticas públicas que impusessem módicas condições de preço (que os radiodifusores paguem pela permanência de suas outorgas!) para obter a licença que permite a estas redes de rádio e televisão aceder ao imensamente lucrativo controle das ondas públicas de radiofreqüência, 24 horas por dia. Poderíamos lhes dizer que, como parte do intercâmbio (do contrato social) por controlar estes bens comuns, deveriam destinar certa quantidade de tempo, tempo gratuito no rádio e na televisão, para os candidatos a cargos públicos através de eleições.”



Este tema deveria ser posto em debate nos grandes meios de comunicação, dado que é neles onde a maioria dos estadunidenses obtém informação. Mas as emissoras de rádio e televisão têm um profundo conflito de interesses. Em sua ordem de prioridades, seus lucros estão acima de nosso processo democrático. Seguramente não ouviremos falar deste tema nos programas de entrevistas políticas dos domingos pela manhã.






Amy Goodman é a âncora de Democracy Now!, um noticiário internacional transmitido diariamente em mais de 550 emissoras de rádio e televisão em inglês e em mais de 250 em espanhol. É co-autora do livro "Os que lutam contra o sistema: Heróis ordinários em tempos extraordinários nos Estados Unidos", editado por Le Monde Diplomatique Cono Sur


Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna.



Texto traduzido da versão em castelhano e revisado do original em inglês por Bruno Lima Rocha; originalmente publicado em português em Estratégia & Análise.

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