sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Uma visão panorâmica sobre a conjuntura mundial (novembro/2010)








Igor Fuser *



Adital -

1. REUNIAO DOS PAISES DO G-20



Esta reunião ocorre num momento de crise internacional muito grave, que a mídia não está cobrindo com o destaque necessário.



A reunião do G-20, na Coréia do Sul, se realiza no meio de um impasse monumental: os países mais importantes do mundo estão divididos diante da crise econômica global.



O que é o G-20? Grupo criado para enfrentar a crise em 2008... Verdadeiro comitê central dos assuntos do mundo, deixando a ONU numa função totalmente decorativa.



O objetivo do G-20 é articular a reação dos governos, que passariam a enfrentar a crise de uma forma coordenada... Se cada governo pensasse apenas no seu próprio interesse, a situação ficaria muito pior.



EUA jogaram essa ideia no lixo: 10 dias antes, lançaram uma emissão de dinheiro gigantesca, mais de 600 bilhões de dólares, supostamente a fim de incentivar a recuperação da economia americana, que está em recessão há dois anos.



Esse dinheiro na prática vai para os mercados internacionais, a especulação, desvalorizando o dólar em relação a todas as outras moedas, que aumentam o seu valor.



Com isso, a economia de todos os outros países se enfraquece: suas exportações ficam mais caras, principalmente para o mercado dos EUA, enquanto seus mercados internos ficam cada vez mais expostos à invasão de produtos importados...



Ao mesmo tempo, está em marcha uma invasão econômica dos EUA aos demais países: eles compram títulos da dívida pública do Brasil e de outros países, compram terras, empresas... Os EUA podem fazer isso porque são o único país que pode emitir uma moeda, o dólar, que é aceita internacionalmente.



Os governantes dos demais países estão todos furiosos. Em alguns casos, ameaçam também desvalorizar as suas moedas. Colocam barreiras para a entrada de capital americano. É o caso do Brasil, da Tailândia...



A China está na berlinda... EUA se juntam com a Europa e o Japão pra tentar forçar a China a valorizar a moeda. Se a China fizer isso, não vai mais conseguir exportar tanto. O resultado será a instabilidade interna: os trabalhadores chineses, que até agora foram beneficiados com o crescimento, vão protestar.



Mas mesmo os europeus e japoneses não querem ir muito longe numa briga com os chineses. Os EUA barateando o dólar querem conquistar também os mercados dos países aliados.



O cenário é de uma guerra comercial e cambial - uma luta de todos contra todos na cena econômica mundial... E dentro de cada um dos países desenvolvidos uma luta do governo + capitalistas contra os trabalhadores, tentando jogar nas costas dos setores populares o custo da crise.



2. O que temos é uma situação de um capitalismo desgovernado



Os EUA se mostram totalmente incapazes de exercer a liderança, como já fizeram no passado.



A economia americana está em decadência: a maior dívida externa, o maior déficit comercial. A pergunta que todos se fazem: por quanto tempo ainda vão se manter como a maior potência do planeta?



Os EUA não conseguem mais agir em defesa dos interesses do sistema capitalista no seu conjunto, mas utilizam sua posição como maior economia do mundo - e donos do dólar - para favorecer apenas os interesses dos seus próprios capitalistas, e enfrentar a crise da sua economia interna em prejuízo de todos os outros países do mundo.



O mundo é obrigado a escolher entre se submeter às imposições dos EUA ou mergulhar numa situação de anarquia econômica.



3. Temos assim um momento muito perigoso: o paralelo que se pode fazer é com o pós crise de 1929. Todos tentaram aumentar suas exportações, formar saldos positivos no comércio. Como isso é impossível, as economias nacionais continuaram estagnadas e o comércio entrou em colapso. Isso alimentou as tensões políticas que culminaram na II Guerra Mundial



Dois anos atrás, esse era um cenário que os governantes tentavam evitar e agora vai ficando claro que não conseguiram. Eles estão fazendo justamente o que se comprometeram a não fazer.



Por que os EUA tomaram essa atitude? Porque o governo Obama está enfraquecido internamente. Acaba de sofrer uma tremenda derrota eleitoral.



O que vem ocorrendo nos EUA é o fortalecimento da direita e fracasso das políticas reformistas de Obama. Toda a esperança que muitos americanos depositaram em um presidente negro, que foi eleito com base no projeto de um capitalismo menos desumano, com mais empregos, defesa do meio ambiente, saúde melhor para os trabalhadores, menos privilégio para os mais ricos, tudo isso veio por água abaixo.



Obama falhou no ponto mais importante: a crise econômica.



Quando os bancos começaram a quebrar, o governo injetou dinheiro na economia, mais de 2 trilhões de dólares, para salvar os bancos. Mas a recuperação foi muito pequena, porque a população está completamente endividada, não tem como voltar a consumir no mesmo nível que antes.



O desemprego continua muito alto, a economia permanece paralisada, e a classe média acha que a culpa é do governo Obama que aumentou os impostos dos mais ricos e tentou melhorar o atendimento de saúde dos mais pobres...



A atitude de emitir dólares agora é um ato de desespero para mostrar aos eleitores que estão tomando uma atitude diante da crise. Mas dificilmente vai funcionar.



O otimismo em relação a uma recuperação da economia mundial já era. O entendimento agora é que a crise tem o formato de W.... Mesmo esse entendimento talvez seja otimista demais... O que se pensava ser uma recuperação foi apenas um alívio temporário graças a uma dose cavalar de subsídios dos governos... O doente não tem cura: crise tem raízes estruturais, tem a ver com a etapa do capitalismo que vivemos... É quase certo que estejamos apenas no início de uma longa recessão econômica mundial.



O que está começando agora é uma segunda etapa da crise. Isso ficou muito claro na Europa no início do ano, com a falência da dívida pública da Grécia e de outros países.



O que caracteriza essa segunda fase da crise econômica na Europa é o fim da generosidade dos Estados. Num primeiro momento, os governos europeus seguiram o exemplo dos EUA e emitiram dinheiro para estimular a recuperação da economia. Agora estão endividados e a economia continua parada. Não podem fabricar mais dinheiro.



Então volta a entrar em cena a receita neoliberal, que muitos achavam que tinha sido aposentada: diminuição dos salários e dos benefícios para os trabalhadores, cortes de gastos públicos, aumento dos juros. Tudo isso são medidas que no médio prazo só vão piorar as coisas. E já estão provocando protestos populares como há muito tempo não se via na Europa.



É o que vem ocorrendo na Espanha, na Grécia e agora principalmente na França: jovens são a maioria na luta contra a redução da idade de aposentadoria. Isso diz muito sobre o tamanho da crise.



Ao mesmo tempo, as forças de direita crescem: os estrangeiros como bode expiatório, a insegurança da classe média alimenta o avanço de forças reacionárias, nacionalistas de direita e até fascistas, como na Itália.



4. Nesse cenário de crise, é fundamental concentrar a atenção em duas variáveis: o comportamento dos EUA e o desenvolvimento das forças de resistência ao imperialismo no mundo



No que se refere aos EUA, o que se percebe é que estão agindo igual a outros impérios do passado quando entraram em decadência. Tentam impedir o declínio utilizando ao máximo a sua maior vantagem comparativa, que é a força militar.



O militarismo é um traço central da política dos EUA, uma tendência que está se exacerbando a partir do governo do George W. Bush, o Bush filho.



Os EUA tratam de intervir pela força no mundo inteiro para garantir a sua influência, os seus interesses econômicos. E também para impedir que países rivais, como a China e a Rússia, ganhem espaço.



O foco central do intervencionismo americano se situa no Oriente Médio: com um acúmulo de conflitos militares, no Iraque, no Afeganistão e agora um impasse com o Irã. O controle do petróleo é o principal objetivo estratégico estadunidense.



Mas os EUA estão atolados, não conseguem uma vitória decisiva em nenhum desses conflitos.



Na falta de aliados confiáveis, estreitam cada vez mais sua ligação com Israel. Os EUA dão carta branca para a política genocida do sionismo, disposto a impedir a formação de um Estado palestino viável e a tornar permanente a ocupação, nem que seja pelo extermínio e expulsão de toda a população árabe dos territórios ocupados. As chances de um acordo de paz, mesmo que insatisfatório e injusto, se tornaram praticamente nulas com a derrota eleitoral de Obama. O presidente não vai correr o risco de se indispor com o lobby judaico nos EUA durante uma campanha dificílima para a reeleição.



Na América Latina está em curso uma tentativa de reverter a perda de influência estadunidense na última década: bases na Colômbia, Quarta Frota.... Sobretudo uma ofensiva política com apoio às forças conservadoras em cada país....



O imperialismo estadunidense teve alguns avanços (Honduras, Chile), porém limitados. A eleição venezuelana teve um resultado misto e, principalmente, a vitória de Dilma no Brasil cortou uma onda de avanços políticos das forças mais ligadas aos EUA.



5. A crise de hegemonia no sistema internacional dá espaço para outros atores. No campo político, começa a se esboçar uma situação de multipolaridade, que limita o leque de opções estratégicas dos EUA. E no terreno econômico vivemos o fenômeno dos chamados países emergentes. Esses países, como a China, a Índia etc., garantem o crescimento da economia mundial, apesar da crise



No entanto, é importante que estejamos alerta contra algumas possíveis ilusões, e por isso vale a pena chamar a atenção para alguns fatos:



- a Europa e o Japão, que fazem parte desse esboço atual de multipolaridade, são potências tão decadentes quanto os EUA;

- a China e a Rússia estão vinculadas de mil maneiras aos EUA e ao sistema capitalista internacional e não mostram disposição de mudar as atuais regras do jogo;

- a Índia aceitou se aliar aos EUA em troca de vantagens de curto prazo, como a aceitação do seu status no campo das armas nucleares;

- os próprios EUA resistem de todas as formas a uma nova configuração no cenário internacional: não aceitam se tornar um "país normal", não se dispõem a negociar nada que seja relevante ou prioritário, resistem a se comportar como um interlocutor racional.



É preciso tomar especial cuidado com a ilusão do desenvolvimento periférico. Ou seja: com a ideia enganosa de que os países "emergentes", como o Brasil, poderão simplesmente reproduzir a trajetória do desenvolvimento dos países capitalistas avançados.



O avanço dos "emergentes" se apóia, em grande medida, na inserção nos mercados dos países ricos que estão em crise. Isso limita as suas perspectivas no médio e longo prazos.



É verdade que os "emergentes" também apostam no comércio Sul-Sul e no mercado interno de cada um deles. Mas tudo indica que em algum momento os "emergentes" vão enfrentar as barreiras do seu próprio sistema social, em especial os interesses das suas burguesias, que continuam muito ligadas ao capital financeiro internacional. A ideia de um capitalismo autônomo permanece uma ideia inviável.



6. Mesmo com essas ressalvas, é importante assinalar o que o atual cenário apresenta de mais positivo. É na América Latina que a resistência ao imperialismo se mostra mais visível, com o surgimento de governos que podem ser chamados genericamente de progressistas - e uma rede de movimentos sociais muito importantes



Os governos progressistas constituem um campo heterogêneo. Em comum, vale ressaltar que 1) eles se contrapõem às políticas neoliberais, 2) buscam o fortalecimento do Estado; 3) têm como foco as políticas sociais em favor das maiorias desfavorecidas.



Esses governos inviabilizaram a Alca, cartada estratégica do imperialismo estadunidense na América Latina. A onda progressista é em parte o resultado das lutas dos movimentos sociais, mas esses movimentos ao mesmo tempo entram em conflito com os governos progressistas em torno de uma série de questões, como a manutenção do modelo econômico extrativista e as ameaças ao meio-ambiente.



O aspecto mais importante nos governos progressistas é que eles são expressão de um fenômeno novo: o inconformismo com as políticas implantadas a partir do centro do sistema capitalista.



Esse inconformismo está aumentando, no mundo inteiro:



- aqui na América Latina, temos lutas em todos os países, desde o zapatismo, no México; o "socialismo do século XXI", na Venezuela; o MST, no Brasil...

- a Europa está em polvorosa, com greves na Espanha, protestos na França, na Grécia, mobilização estudantil na Inglaterra...

- há movimentos sociais importantes na Índia, no Egito...



Não existe mais segurança entre as elites globais de que o seu domínio está garantido. O mundo entra agora em uma fase de instabilidade na qual os resultados não estão pré-determinados.



O contraste em relação ao ambiente político e intelectual dos anos 90 é enorme. Não se fala mais no "fim da História"... Ao contrário: a crise reabre o velho debate sobre as alternativas ao capitalismo. E a resistência dos povos se mostra o alicerce para construir um futuro diferente, um mundo mais justo e mais livre.



[Este texto é um roteiro de análise utilizado e preparado por Igor Fuser como referência para a reflexão em um encontro político e sua elaboração se deu a partir de textos publicados por diversos autores, cujos nomes foram omitidos a fim de facilitar a fluência da exposição. Portanto, não pode ser considerado um trabalho autoral].





* Jornalista, analista de conjuntura internacional e professor da Faculdade de comunicação Cásper Líbero. São Paulo

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