segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Capital e trabalho: o segredo do intercâmbio desigual

Análise 27/09/2010, do Brasil de Fato
A desigualdade só poderá ser extinta se forem atacados os mecanismos constitutivos desta situação histórica: a gênese do capital


Roberta Traspadini







O último relatório PNAD 2009 mostra uma melhoria na condição de vida dos brasileiros, a partir de uma maior inserção dos sujeitos nos consumos básicos e uma aparente melhoria na questão formal do emprego e da renda.



Os dados não revelarão o caráter estrutural da desigualdade que só poderá ser extinta se forem atacados os mecanismos constitutivos desta situação histórica: a gênese do capital.



Um dos elementos chave para estabelecermos o debate está nos conceitos que utilizamos. Façamos um exercício de tratarmos os dados a partir dos conceitos de Processo de trabalho e processo de valorização.



1. Explicação do conceito



Uma das características centrais da sociedade capitalista é que ela se apresentará como um justo processo de intercâmbio entre sujeitos livres: capitalista e trabalhador.



Nesta apresentação obscura o capitalismo utilizará como referência 3 princípios básicos: liberdade para o consumo, igualdade na oportunidade posterior à posse privada da terra, dos recursos e dos territórios e, fraternidade como escolha individual de ajudar, ou não, ao próximo.



No intercâmbio o capital e o trabalho aparecerão como possuidores de algo que o outro deseja trocar. Uma aparente troca entre iguais.



O capital oferecerá instalações, maquinário, equipamento e uma remuneração definida por ele, enquanto o trabalhador oferecerá sua força de trabalho - tempo-esforço-dedicação-entrega-qualificação - ao longo de uma jornada laboral.



O trabalhador ao trocar sua força de trabalho por dinheiro passa a ter usufruto da riqueza universal e está apto, como cidadão consumidor, a participar da esfera de reprodução das relações sociais de consumo capitalista.



No intercâmbio, o trabalho evidencia ter utilidade para o capital. Esta utilidade reside no fato de ser o responsável por movimentar, produzir, criar todo o universo de mercadorias disponíveis no mercado pelo capital.



O capitalista ao trocar dinheiro por força de trabalho, entrega uma parte que se apropriou antes, ao trabalho produzido por este mesmo trabalhador e pelos demais, na etapa de produção seguinte.



O trabalhador por sua vez, ao receber a remuneração na troca de seu tempo de trabalho destinado ao capital, terá que pagar sua subsistência que incorporará inclusive o que antes era entendido como serviço público. Assim, não terá a menor condição de poupar e enriquecer.



O trabalhador terá que movimentar uma gama de produtos de subsistência para que volte a entregar no dia seguinte, a esta circulação mercantil simples, seu corpo-energia- destreza ao capital.



O capital se apropriará de forma privada do uso da força de trabalho, e será o detentor tanto da riqueza, quanto do valor produzido a partir da exploração do trabalho.



O intercâmbio não revela que o trabalho é o portador das duas unidades inseparáveis: é quem produz a riqueza que será apropriada pela outra parte do intercâmbio, o capital, além de ser responsável pela reprodução de sua própria sobrevivência.



A finalidade do intercâmbio é a valorização do capital. E esta só seguirá em expansão, quanto mais o capital conseguir criar os mecanismos fora e dentro da produção que lhe permitam ampliar seu poder na realização do intercâmbio.



O resultado do intercâmbio será visualizado tanto no que o trabalhador objetivou em sua produção diária na forma de mercadorias que serão disponibilizadas no mercado para o consumo pelo capital, quanto no salário que o mesmo receberá para cobrir seu próprio consumo.



Portanto, não há equivalência na troca. É uma troca que já se constitui de forma desigual. O intercâmbio não revela, e isto é intencional, a desigual apropriação da riqueza prévia à troca.



A característica chave do capitalismo é a desigual estrutura de troca e de produção de vida instituída nas aparentes relações entre sujeitos que se encontram no mercado. Eis o segredo do intercâmbio desigual.



2. Como ler os dados da PNAD a partir deste conceito?

Segundo a PNAD, dos 101 milhões de brasileiros que compõem a PEA, em 2009, 92 milhões estavam ocupados. Destes, (58,6%) são empregados, 20,5% trabalhadores por conta própria, 7,8% trabalhadores domésticos, e os empregadores eram 4,3%. Os restantes 8,8% não possuem remuneração.



Dos empregados, 32,3 milhões (59,6%) possuem carteira assinada, ou seja, contam com direitos trabalhistas formais.



Somente 17,7% da população ocupada manteve vínculo sindical e 53.6% contribuíram com a previdência privada.



O rendimento médio mensal do salário foi de R$1.111,00, tomando-se em conta as disparidades regionais, de gênero e étnico raciais. Este valor não é compatível com a base de consumo do trabalhador brasileiro.



Para que o trabalhador consuma será imprescindível um sistema de crédito que subsidie parte expressiva de suas compras.



Isto fará com que o capital financeiro forneça a parte que falta para este trabalhador sem poder real de ser consumidor, realize suas compras e comprometa ainda mais a sua fonte real de subsistência na troca: o salário.



Em 2009 o Banco do Brasil obteve um lucro liquido de R$ 10,15 bilhões, o Itaú-Unibanco de R$ 10,05, o Bradesco R$8bilhões, o BNDES R$ 6,7 bilhões e, o Santander R$5,5 bilhões.



Das 10 empresas mais lucrativas da América Latina em 2009, 7 são brasileiras, mas não necessariamente de capital nacional. A Petrobrás teve um lucro de R$16,6 bilhões, a Vale R$5,9 bilhões, e a Ambev R$3,5 bilhões.



As 18 empresas brasileiras mais lucrativas acumularam juntas neste mesmo ano R$54 bilhões. Um total de 73,4% do lucro das 30 maiores.



3. Resumo da história

Enquanto o trabalhador-consumidor vê suas bases salariais arrochadas na garantia do aumento do consumo, o capital amplia a concentração e centralização da riqueza.

A classe trabalhadora neste modo particular de produção é progressivamente fragilizada, extorquida, em múltiplos processos:



1. No sentido e pertença do trabalho;



2. Na produção de valor e riqueza para o capital;



3. Na consolidação de sua sobrevivência com salários com poder de compra menor;



4. A confirmação de um consumo progressivo baseado no crédito;



5. O endividamento familiar e individual como constitutivo do ser trabalhador-consumidor;



6. A fragilização sem precedentes da participação dos trabalhadores em seus respectivos sindicatos;



7. A aposta na previdência e nos fundos de pensão como mecanismos futuros de descanso numa sociedade que exala incertezas, riscos, dúvidas, temores.



O trabalhador paga as contas do modelo de desenvolvimento. Paga as contas de todos os agentes, enquanto não consegue realizar com o que ganha o pagamento de suas dívidas.



Transferência de valor de quem produz para quem se apropria de forma privada do produzido.



A concorrência intercapitalista aparece como oportunidade e oculta seu violento processo de produção de morte em vida do trabalho para a permanência da dominação do capital, ancorada no moderno Estado de direito, cujos deveres são a chave do bom negócio.





Roberta Traspadini é economista, educadora popular e integrante da Consulta Popular/ES.

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